O prato de macarrão dos carvoeiros que conta a história da arte inteiramente napolitana de fazer acontecer

Nápoles tem uma longa tradição ligada à arte de fazer acontecer, filosofia de vida que se reflete no famoso ditado napolitano: “Ó napolitano, se está ruim, mas nada mais” (o napolitano emagrece, mas não morre). Uma expressão que descreve perfeitamente a capacidade inata dos napolitanos de sobreviver sempre, encontrando soluções engenhosas mesmo nas situações mais difíceis. É dessa capacidade de adaptação que surge a receita do antigo macarrão alla gravunaro, prato que tem raízes na mais remota Nápoles.

O prato napolitano dos carvoeiros

Uma das paredes de Brigida ph. Ariana Scotto Lavina

Entre o século XIX e as primeiras décadas do século XX, o advento da Revolução Industrial trouxe um enorme aumento na procura de carvãoque se tornou a principal fonte de energia. Neste contexto, a figura do gravunaro – queimador de carvão em italiano – adquiriu um papel fundamental. Os carvoeiros produziam e vendiam carvão, por isso passavam a maior parte dos dias nas áreas arborizadas da cidade, onde recolhiam grandes quantidades de madeira que depois transformavam em carvão.

Como fazer espaguete gravunaro

Espaguete gravunaro da Brigida ph. Aurora Scotto do Minico

A vida do gravunaro não foi nada fácil: dias longos e cansativos, com trabalho intenso e pouco proveitoso. Neste contexto de grande pobreza nasceu o prato dedicado aos trabalhadores incansáveis: o macarrão alla gravunaro. Esta receita, composta por ingredientes facilmente disponíveis como massa (muitas vezes esparguete), azeite, alho, malagueta, alcaparras, azeitonas pretas e anchovas salgadas, por vezes enriquecida com pão ralado amanhecido, reflecte-se a necessidade de uma refeição barata e substancialmas ainda saboroso, para ser consumido na volta de um dia agitado.

Um novo restaurante que serve cozinha da Campânia: Brigida

Gianluca Amoroso Ph. Aurora Scotto do Minico

Hoje, ao redescobrir esta receita milenar, temos a possibilidade de a enriquecer ainda mais e, por isso, podemos nos dar ao luxo de aperfeiçoá-lo por exemplo, preferindo azeitonas Gaeta ou pão ralado bem torrado, também podemos adicionar alguns tomates cereja ou um belo pecorino ralado no final. Há quem acrescente passas para equilibrar melhor o sabor das anchovas e alcaparras e o amargor das azeitonas. Este é o variante proposta por Brigida Cucina Napoletanao novo endereço em Nápoles dedicado à tradição gastronómica napolitana. Brigida é uma taberna que pretende redescobrir algumas das receitas napolitanas menos conhecidas em comparação com os grandes clássicos como a massa e batata, a genovesa ou o ragù, mas que, na sua simplicidade, conseguem ser igualmente saborosas.

Pobre espaguete para fazer um sapato

Espaguete servido com babador. Aurora SCotto do Minico

Gianluca Amoroso, estalajadeiro e anfitrião, explica-nos: “Já ouvi falar várias vezes sobre espaguete gravunaro. A história (a que conheço) diz que havia uma dona de casa em Vico Carbonaro que, para alimentar os carvoeiros preparou issouma espécie de puttanesca branca, com adição de anchovas salgadas e pão ralado, para tornar o prato mais nutritivo. No começo fiquei cético e não sabia se deveria incluí-lo no cardápio; no entanto, devo dizer que está me dando muita satisfação: a maioria dos meus clientes não conhecia esta preparação milenar e muitos ficam maravilhados com a qualidade de uma receita tão simples. Acrescentamos também passas, o que dá um toque de suavidade ao sabor dos ingredientes”.

E então novamente: “É um prato que se presta, como a maioria das preparações napolitanas, ao sapato. Recolher o molho do fundo do prato com uma bela fatia de pão continua entre as coisas mais satisfatórias, por isso, brincando, quando servimos esse espaguete, preparamos O ‘ritual da bavetta’: o pessoal da sala de jantar amarra um lindo babador de papel no pescoço do hóspede para que ele possa aproveitar ao máximo o momento sem medo de se sujar”.

Cozinha napolitana além dos pratos habituais

O prato, hoje menos conhecido do que outras receitas tradicionais napolitanas, é em todos os aspectos um símbolo da engenhosidade e da capacidade dos napolitanos de criar, mesmo em tempos de dificuldade, algo extraordinário com o que têm à disposição. Um testemunho da cultura do fazer, que ainda hoje caracteriza a alma da cidade. “A culinária napolitana é vasta, você não deve se concentrar apenas em pratos onde é fácil chegar a um consenso” finaliza Gianluca.


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